sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Adoração dos Magos, Domingos Sequeira, Lisboa

Ave!
O Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) será sempre tema recorrente neste blogue. São inúmeras as razões que me podem levar a divagar demoradamente sobre o seu espólio majestoso. Mas, considerando o ano 2016 em particular, que trouxe a abertura da nova galeria de escultura e pintura Portuguesas, e a memorável campanha “Vamos pôr o Sequeira no lugar certo”, e o facto de estarmos na época de Natal, não haverá melhor desculpa para evocar a Adoração dos Magos, de Domingos António Sequeira, pintado em 1828.


Este quadro magnífico, de um pintor Português até aqui pouco conhecido do público, foi adquirido em 2016 pelo museu graças a uma bem-sucedida campanha de angariação de fundos, promovida pelo MNAA e seus parceiros. Numa mobilização notável da sociedade Portuguesa, mais de 15 000 particulares participaram nesta iniciativa, que possibilitou inclusive que alguns professores explicassem aos seus alunos a importância da Arte e da museologia, e os levassem a contribuir, enquanto escola, na campanha.
A obra é verdadeiramente magnífica, e tem uma capacidade invulgar de apelar ao observador. Não me lembro de ter visto muitos quadros onde o efeito da luz seja tão intenso e imperioso. A cena está recheada de personagens cativantes, perfeitamente individualizadas, e com cores de uma riqueza espectacular. Salta à vista o homem de barba vestido de azul claro, na parte esquerda do quadro. Mas somente como elemento secundário, pois o olho de qualquer observador é monopolizado pelo tema central da obra.
Não me vou fazer passar por entendido na matéria, e portanto citarei o próprio MNAA a respeito do autor:
Treinado em Roma como pintor de História, no período entre 1791 e 1807, Domingos António de Sequeira abordou, sobretudo, episódios medievais, ligados à gesta dos primeiros reis de Portugal, quase sempre comissionado pela Casa Real, com destino a Mafra ou ao novo palácio da Ajuda. Levadas para o Brasil pela família real, em 1807, muitas destas obras mantêm-se por localizar. (fonte)
Mas, como sempre, melhor do que qualquer descrição, o ideal é dar um salto ao MNAA e descobrir o quadro ao vivo e a cores. E que cores!




Addendum
Galleria Sabauda, Turim

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Breve História da Civilização, de Will Durant


Quando Péricles, Aspásia, Anaxágoras e Sócrates assistiram juntos a uma peça de Eurípedes no Teatro de Dioniso, Atenas pôde testemunhar ao vivo o zénite e a unidade da vida grega – governação, arte, ciência, filosofia, literatura, religião, moral vivendo, não carreiras separadas como nas páginas dos livros, mas entrelaçadas no tecido multicolor da história de uma nação.

Ave!
Há livros que nos surgem na altura certa da vida. Breve História da Civilização foi um destes casos. Ter nas mãos um livro que consegue percorrer séculos de cultura, política, filosofia, religião, arte, e abordar todos estes temas com a capacidade de transmitir deslumbramento ao leitor, é um feito digno de se lhe tirar o chapéu.
O livro está longe de ser perfeito. Tal como é referido no preâmbulo, surge da compilação de uma série de notas reunidas pelo autor, Will Durant, descobertas alguns 20 anos após a sua morte. Nota-se que é um trabalho que carece de uma edição mais coesa. Desde logo, exceptuando alguns breves capítulos sobre Confúcio, parece que toda a História da Civilização se resume à Europa e ao Mediterrâneo.
Não obstante, é uma viagem maravilhosa por mais de 4000 anos de cultura e antropologia. Durant relembra-nos a emergência das grandes civilizações que delinearam o que é hoje o "mundo ocidental", com particular destaque, como não podia deixar de ser, para a Grécia. Aliás, a Grécia clássica constitui provavelmente o melhor de todo o livro. É notória a paixão, e o respeito, que o autor tem por todas as figuras dessa época. Os filósofos, os estadistas, os estrategas, os poetas. E ao longo de todos os capítulos que compõem o livro, Durant volta repetidas vezes à ideia fabulosa de Platão, cujo sonho era ver uma nação governada por filósofos. Durant evoca os grandes dramaturgos gregos, quase aludindo implicitamente à ideia de que tudo o que é relevante na escrita dos Homens pode ser encontrado entre o legado da Grécia clássica. Todas as ideias, todos os conceitos, todos os pensamentos, podem ser encontrados algures em Ésquilo, Sófocles, Platão, Aristóteles, ou Sólon. De certa forma, pese embora o exagero, tudo o que de nobre a alma Humana pode conceber, pode ser encontrado na Grécia clássica. Pessoalmente, tendo a concordar com Durant.
E esta é uma das questões que tornam a leitura do livro tão apaixonante. Will Durant não se limita a relatar factos da História para falar da Civilização. Vai buscar as grandes referências literárias e artísticas, enquadrando-as de forma a não restarem dúvidas quanto ao papel da expressão cultural enquanto motor da construção da Civilização. É brilhante.
Igualmente interessante é o pormenor do autor partilhar as suas opiniões ao longo dos textos. Não se limita a relatar, preocupa-se em dar a sua leitura dos acontecimentos, e em fazer extrapolações com outras referências.
O protagonismo dado à Grécia é dividido com Roma, esse colosso fundador daquilo que ainda hoje a Europa é, sem descuidar o papel da religião nas grandes rupturas que moldaram a Europa e o seu desenvolvimento. Percorremos inúmeras figuras históricas, das quais tínhamos uma vaga noção, mas não sabíamos exactamente o porquê de serem importantes para a História. E não falta o Renascimento, e a sua "culpa" pelo surgimento da Europa moderna. Só lamentamos quando o livro acaba em Shakespeare, mas infelizmente o autor não teve tempo para tratar as figuras que se lhe seguiram.
Lao-Tsé, Ozymandias, Lourenço de Médicis, Carlos V, Sólon, Augusto, Péricles, Da Vinci, Alexandre, Espártaco, Cipião, César, Agripa, Maquiavel, César Bórgia, Aristóteles, Péricles. A História está cheia de gente fascinante, e o nosso tempo nesta vida é demasiado escasso para conhecer todos os seus feitos.
Breve História da Civilização é daqueles livros cuja leitura recomendo sem reservas. Qualquer pessoa, independentemente das suas preferências literárias, fica embevecida com esta viagem. E pensar que só o comprei porque um dia, ao passar num supermercado (nem sequer foi numa livraria!), olhei para o lado e dei por mim a cogitar: “Hmmm, interessante, livros com 40% de desconto…”

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Hino a Áton

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

The Very Best of Ennio Morricone

Ave!
Uá-Uá-Uáááá! Esta é, quase garantidamente, a forma mais estranha de começar um artigo num blogue. E no entanto, se eu vos disser para associarem a esta onomatopeia, em pano de fundo, um filme western... de repente tudo faz sentido.
Comprei recentemente o The Very Best Of Ennio Morricone, um dos grandes vultos para os apreciadores da "música do cinema". Brilhante compositor italiano, o maestro é um dos poucos artistas cujas bandas sonoras são imediatamente identificáveis por qualquer pessoa, ficando somente atrás do inigualável John Williams.
O "Uá-Uá-Uáááá" por onde começámos, na realidade responde como tema principal do filme "O Bom, o Mau, e o Vilão" (Sergio Leone, 1966), e tem lugar garantido entre os 10 temas mais icónicos do cinema. É extraordinário apurar os sentidos para perceber como o maestro soube, de forma engenhosa, moldar música e som para produzir algo tão único. Esta arte é igualmente reconhecível em alguns dos seus outros temas, como o caso de "Por Um Punhado de Dólares", onde se podem escutar inclusive estampidos de chicote.

Mas a obra de Morricone é imensa, e está longe de se cingir aos westerns. Um dos seus trabalhos mais nobres será a banda sonora de "A Missão", de onde o delicioso oboé de Gabriel continua a inspirar gerações, e cujo tema central conferiu ainda maior expressividade à assombrosa paisagem que acolhe a história.


O álbum, tal como a carreira do maestro, não se esgota no cinema. No entanto, é inegável que foi o seu percurso na 7ª Arte que projectou Morricone para o reconhecimento mundial. Foi em 2016 que ganhou o seu primeiro Oscar (exceptuando um Oscar honorário), resultante da colaboração com Quentin Tarantino em "Os Oito Odiados", mas foi em 1968, para "Aconteceu no Oeste", que compôs, porventura, a sua obra-prima. O tema principal do filme é de uma beleza somente equiparável à de Claudia Cardinale.


Por uma obra extensa, variada, e maravilhosa, resta-nos olhar com ternura para Ennio Morricone, e sussurrar-lhe: grazie, maestro.

Post scriptum
Este artigo é dedicado à Xana e à Xina, por saberem estalar o chicote que me obriga a escrever. E logo hoje, que Ennio Morricone completa 88 anos. :)


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segunda-feira, 22 de agosto de 2016

God Emperor of Dune, de Frank Herbert



How could a human slowly turn into a sandworm? How could any thinking creature live more than three thousand years? Not even the wildest projections of geriatric spice allowed such a lifespan.
Leto II, the God Emperor?
The Tleilaxu history was not to be believed!

Ave!
Dune é o maior feito da história da ficção científica. Esta afirmação peremptória parte de alguém que desde muito novo é fanático por Star Wars, leu K. Dick, Jodorowsky, e consumiu doses generosas de tudo o que em cinema, televisão, videojogos, banda desenhada, e por aí fora, foi criado em redor do género.
Dune é um campeonato à parte.
Frank Herbert criou em 1965 uma obra literária magistral, que somente por discriminação para com o género ficção científica não figura entre as grandes obras literárias do século XX. Dune tem uma linguagem própria, inserida numa criação inigualável em termos de construção de cenário/ambiente. A dimensão ecológica, política, e espiritual, ombreia com toda a saga épica das personagens que lutam pelo poder.
God Emperor of Dune é o 4º livro da saga (composta por 6 volumes), e portanto o que vou escrever neste texto parte do princípio de que quem o ler está familiarizado com a história que o antecede.
Passaram 3500 anos desde que o filho de Muad'Dib decidiu abraçar o Golden Path. Leto II é o Deus-Imperador que governa o Universo. Dono de poderes inimagináveis, assumiu o papel de tirano, e pagou o custo exigido para guiar a Humanidade ao seu destino: o seu corpo metamorfoseou-se num híbrido entre homem e sandworm, resultando numa imensa criatura grotesca. Arrakis, o planeta conhecido como Dune, sofreu igualmente uma metamorfose impensável. De planeta-deserto passou a planeta cheio de água e vegetação. As implicações desta transformação são óbvias. As sandworms desapareceram, e com elas a produção da spice melange. Tudo o que conhecíamos graças aos três primeiros livros está agora diferente.
Este livro desenvolve-se essencialmente em capítulos que narram diálogos entre o Deus-Imperador e outras 3 ou 4 personagens-chave, com visões próprias, e relações distintas com "o Deus", "o Imperador", e "o Tirano". É, também, a meu ver, o livro onde as diversas facções políticas estão mais activas. Cada uma tenta ludibriar Leto II, por forma a ganhar algum tipo de vantagem.
No fim, fiquei com a sensação de ser um livro inferior aos antecedentes. Muito focado nos diálogos, excessivamente vagos, e carregados de um esoterismo pseudo-religioso que se torna difícil de conciliar com a ausência de acção a que o livro parece ter sido votado. Entendamo-lo: o livro continua a ser muito bom, e tem diálogos muito bem escritos. Leto II é claramente inspirado em muitos dos megalómanos imperadores de Roma. Mas, quando chegamos ao fim, perdura aquela sensação de "faltou aqui qualquer coisa para dar nexo a tudo isto". Já li, e já mo disseram, que nos dois livros seguintes boa parte do que se passa em God Emperor of Dune é explicado. Mas falta ao livro aquela mística única do universo Dune, e as personagens icónicas por quem nos apaixonámos anteriormente fazem mesmo muita falta. E, acima de tudo, falta "aquela linguagem própria", dos Fremen, de Arrakis, dos Mentats...



Addendum
“The Prophecy”, o brilhante tema composto por Brian Eno para Dune. Toda a dimensão da saga literária de Dune resumida numa única música inebriante.


segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Cemitério de Praga, de Umberto Eco

Eu tinha conseguido, entretanto, um encontro com o Sr. Gougenot des Mousseaux. Era um septuagenário já débil de espírito, convencido das poucas ideias que tinha, e interessado apenas em provar a existência do demónio e dos feiticeiros, bruxos, espíritas, mesmeristas, hebreus, padres idólatras e até «electricistas» que defendiam a existência de uma espécie de princípio vital.
Falava de maneira fluida, e tinha começado desde as origens. Eu escutava resignado as ideias do velho sobre Moisés, sobre os fariseus, sobre o Grande Sinédrio, sobre o Talmude, mas Gougenot oferecera-me entretanto um óptimo conhaque, deixando distraidamente a garrafa sobre uma mesinha diante dele, e eu suportava.

Ave!
Umberto Eco foi um dos grandes intelectuais e pensadores da nossa época. Inúmeras foram as vezes que me deliciei a ler as suas entrevistas nos jornais, e no entanto nunca havia lido um dos seus livros. Quis a ironia desta vida que eu comprasse o primeiro livro de Eco dois meses antes da sua morte.
O Cemitério de Praga é um livro “pesado”, no sentido em que foi escrito por um homem deveras erudito, e como tal não é facilmente acessível ao público mais generalista. Não digo que seja necessário ser-se um intelectual como Eco para ler a obra, mas porventura ajudava…
O livro acompanha a transição turbulenta da Europa do século XIX para o XX, pelos olhos do Capitão Simonini. Ou será pelos olhos do abade Dalla Piccola? O melhor será perguntar àquele Dr. Fröide, o alemão (ou será austríaco?). Confuso? Exacto. Era assim que Eco pretendia que o leitor ficasse no início da narrativa, para depois, ao longo de vários anos, e com a ajuda de personagens reais, como é o caso de Alexandre Dumas, irmos desenrolando o novelo tão intrinsecamente composto.
É impossível não nos apaixonarmos por Simonini logo no início do livro. Das centenas de livros que li até hoje, não me recordo de uma personagem tão impressionante nas primeiras páginas. Simonini odeia franceses. E italianos. E alemães.

Aos alemães conheci-os, e até trabalhei para eles: o mais baixo nível de humanidade concebível. Um alemão produz, em média, o dobro das fezes de um francês. Hiperactividade da função intestinal, em prejuízo da cerebral, que demonstra a sua inferioridade fisiológica. Nos tempos das invasões bárbaras, as hordas germânicas cobriam o percurso com os montões desrazoáveis de matéria fecal. Por outro lado, também nos séculos passados, um viajante francês percebia imediatamente se já tinha atravessado a fronteira alsaciana pela anormal dimensão dos excrementos abandonados ao longo das estradas.

E é assim Simonini, o homem que prega como máxima de vida o odi ergo sum: Odeio, logo existo! Simonini também odeia mulheres, e padres, e hebreus, e judeus. Sem freio, Eco escreve uma prosa delirante, sem o mínimo de contenção, da forma mais politicamente incorrecta imaginável.
A história decorre em episódios que alternam cronologicamente, e que recordam a passagem de Simonini pelo exército de Garibaldi, e a sua laboriosa relação com a Igreja. É precisamente neste ponto que se foca o cerne da história. As seitas religiosas, as suas lutas políticas, o satanismo, a maçonaria, a carbonária, hebreus, judeus, cristãos. Percebe-se facilmente que estão reunidos os ingredientes para um livro polémico quanto baste. Eco mergulha num mundo fascinante de falsificação de documentos, missas negras, manipulação, e total ausência de ética. E o mais incómodo, é chegar ao final da história e perceber (tal como explicado pelo próprio Eco) que todas as personagens do livro são reais, com excepção do protagonista. De resto, é viajar pela gastronomia da época (e agarrar as tripas para não produzir mais matéria fecal do que os alemães a que Simonini alude), mergulhar nos estranhos mundos das guerras inter-religiosas, e saborear cada palavra.
Em verdade, o livro não é sustentado numa história muito interessante de se ler, mas a escrita de Eco é tão boa, que este nunca se torna aborrecido. Há também que elogiar o magnífico trabalho de tradução da parte de Jorge Vaz de Carvalho, edição da Gradiva (2011), que nos serve o colosso literário de Eco na magistral Língua Portuguesa: atrabiliárias, anfractuosidades, tugúrio, sodalício, nequícias.
O Cemitério de Praga é um livro que exige tempo, atenção, alguns conhecimentos de História, e porventura… um dicionário. Mas no fim, quem conseguir vencer a ignávia aprende muita coisa, e sente que valeu a pena o investimento.

  

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segunda-feira, 30 de maio de 2016

Hino a Áton


O Universo vem ao mundo sobre a tua mão,
Como tu o crias.
Ergues-te,
Ele vive.
Deitas-te,
Ele morre.
Tu és a extensão durável da vida,
Vivemos de ti.
Os olhos fixam continuamente a tua perfeição,
Até ao teu deitar,
Deitas-te a ocidente,
Todo o trabalho cessa.
Ao teu acordar,
Fazes crescer todas as coisas para o faraó;
O movimento apodera-se de cada perna,
Pões em ordem o Universo,
Fá-lo surgir para o teu filho,
Proveniente do teu Ser,
O rei do Alto e do Baixo Egipto,
Que vive da harmonia universal,
O senhor do duplo país,
Filho de Rá,
Que vive da harmonia universal,
Senhor das coroas,
Akhenaton,
Que a duração da sua vida seja grande!
Que a sua grande esposa, que ele ama,
A senhora do duplo país,
Nefertiti,
Viva e rejuvenesça,
Para sempre, eternamente!

Ave!
Partilho a última estrofe de um poema escrito pelo faraó Akhenaton para adorar Áton, o Sol, segundo a tradução de Isabel Jardim em “Breve História da Civilização”, de Will Durant.
Akhenaton é um dos faraós mais conhecidos das mais de 30 dinastias faraónicas que o Egipto teve. Ironicamente, o seu nome foi condenado ao esquecimento, pela tremenda revolução religiosa que impôs no Egipto, ao renegar os inúmeros deuses da tradição, e implementar a adoração do deus único, Áton, o Sol. Muitos historiadores consideram-no o primeiro monoteísta da Humanidade.
Embora breve (morreu com pouco mais de trinta anos), deve ter tido uma vida fascinante, como relatou na profunda paixão e amor que demonstrou pela sua rainha, Nefertiti, que no nosso Tempo é mais conhecida inclusive do que o próprio faraó.
Erradamente, há muitas páginas na Net que afirmam que este é o poema mais antigo do mundo. Esse título pertencerá (até prova em contrário) a outros dois poemas. “A Epopeia de Gilgamesh”, escrito na Suméria por volta do ano 2000 a.C., ou ao “Conto do Náufrago”, escrito no Egipto algures no século XXI a.C.
Akhenaton foi faraó até ao ano 1334 (ou 1336) a.C., o que significa que o seu poema-hino tem mais de 30 séculos. Era mais antigo para Júlio César do que a fundação do Reino de Portugal é para nós. A História é assim mesmo, tem este poder fascinante de nos esmagar. Isto é Imperium.



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terça-feira, 24 de maio de 2016

Obras em Reserva – O Museu que não se vê, Lisboa

Ave!
Para apaziguar a fúria dos Portugueses durante a ausência de "As Tentações de Santo Antão", de Hieronymus Bosch, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) inaugurou a exposição "Obras em Reserva - O Museu que não se vê", composta por parte do espólio do MNAA que não costuma estar em exibição.
É suficiente para serenar a ira lusitana perante a ausência da mais importante obra de Arte que existe no país? Óbvio que não, mas sempre é mais uma razão para voltar ao mais importante museu nacional.

"As reservas de um museu são, por natureza, um território mítico: um lugar protegido, inacessível aos olhos profanos, onde se acumula e preserva um sem-número de obras de arte. Nelas ocultam-se peças isoladas ou formando séries, mais ou menos extensas e de diversa índole, acondicionadas por critérios vários, de natureza técnica ou mesmo pragmática. É esse espaço, velado e misterioso, que esta exposição pretende evocar, trazendo à luz e ao olhar curioso dos visitantes um vasto número de obras que, apenas pelos constrangimentos físicos do edifício em que se aloja o MNAA, não fazem parte da sua exposição permanente."
Não será apenas pelos constrangimentos físicos que a descrição oficial da exposição refere. Várias das obras expostas estão em fracas condições, e são de interesse reduzido relativamente ao majestoso espólio do museu, sendo algumas delas simples cópias, ou contando com atribuição discutível de autor. Não obstante, muitas das obras mais do que justificam a visita, para mais tratando-se de uma rara ocasião para lhes colocar a vista em cima.


A Grande Prostituta de Babilónia, Albrecht Dürer, Século XV (xilogravura)

A Família de Dário aos pés de Alexandre, Século XVIII (tapeçaria, lã e seda)

Nascimento da Virgem, atribuído a Perugino ou Rafael, Século XV (desenho em cartão)

 Anjo Custódio do Reino de Portugal, In Livro de Horas, dito de D. Manuel, Século XVI

Sem obedecer a qualquer critério em particular, são alguns exemplos da exposição que alberga igualmente uma tapeçaria onde se representa Hércules a capturar Cérbero, uma estátua de basalto de um leão proveniente do Egipto anterior a 30 a.C., várias estatuetas de santos em madeira policromada, pinturas diversas, desenhos e porcelanas.
É interessante perceber o quão pouco do espólio total do MNAA se encontra em exposição permanente, e uma oportunidade para observar aquelas obras que fazem parte do museu que não se vê.

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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Galleria Sabauda, Turim III

Ave!
Quando Virgílio escreveu A Eneida, a história da queda de Tróia já tinha bem mais de um milénio. Ou seja, era mais antiga do que a história de D. Afonso Henriques é para nós, presentemente. Se tivermos em conta que Virgílio escreveu a sua obra há mais de dois milénios, ficamos com uma boa ideia do quão antiga é a história da Guerra de Tróia.
A mitologia Grega é uma das artes mais fabulosas da História Europeia. Alimentou incontáveis livros, poemas, músicas, filmes, esculturas, e, obviamente, pinturas.
Eneias é o herói cantada por Virgílio, que escapou durante a destruição de Tróia, para mais tarde vir a fundar a lendária Roma. Fez parte do mito de César e Augusto traçar a descendência da linhagem júlio-claudiana até ao mítico Eneias.
Ora, e onde é que se pode encontrar um dos quadros mais espectaculares sobre a fuga de Eneias de Tróia? Precisamente na Galleria Sabauda.

O quadro data de 1753, e foi pintado por Pompeo Batoni. Nele podemos ver Eneias a carregar o pai sobre os ombros, fazendo-se acompanhar pela esposa e pelo filho, enquanto à distância Tróia é consumida pelas chamas.


Quem também passou por Tróia foi outro herói mitológico, porventura o mais famoso de todos, Hércules. Inspirador de incontáveis epopeias, personagem de inúmeras aventuras, raras são as evocações da mitologia Grega que não referem o mítico filho de Zeus.
Entre os vários episódios herculanos que enriquecem as nossas bibliotecas, conta-se o encontro de Hércules e Dejanira com o centauro Nessus. A dada altura, depois de se casarem, Hércules e Dejanira chegam ao rio Evinos, onde encontram o centauro, que se oferece para ajudar a esbelta mulher a atravessar as águas turbulentas do rio. A meio do caminho, Nessus tenta violar Dejanira, levando Hércules a matá-lo com uma flecha envenenada (com o veneno da Hidra, que o herói matara num dos seus Doze Trabalhos).

Uma das representações mais conhecidas (fabulosa, para lá da compreensão humana) deste encontro é a estátua de Giambologna que se encontra em Florença, datada de 1599.

Na Galleria Sabauda não se encontra algo tão arrebatador, mas não deixa de ser merecedor de atenção reforçada o quadro do século XVIII onde Hércules confia Dejanira a Nessus.



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segunda-feira, 9 de maio de 2016

Galleria Sabauda, Turim II

Ave!
Com a morte de Lúcio Domício Enobarbo, mais conhecido por Nero, Roma viu-se a braços com uma guerra civil. Ao fim de apenas cinco imperadores, o império parecia destinado a desmoronar-se. Em apenas um ano, quatro homens foram proclamados imperadores. Foi graças a Vespasiano que o império se salvou. Na Galleria Sabauda há um busto seu, elaborado com a perfeição única dos mestres escultores italianos (neste caso, dos irmãos Collino, Século XVIII).


Reputado comandante militar, Vespasiano viria a ser uma figura de elevada importância para a História, ao fundar uma nova dinastia, a Flaviana. Sensato, respeitado pelos soldados, e com o apoio do seu filho Tito, que mais tarde ascenderia ele próprio a imperador, escreveu um dos episódios mais complexos do império romano: a tomada de Jerusalém, e a destruição do seu Segundo Templo.
Para além disso, o nome de Vespasiano está associado a uma das construções mais marcantes da História da Europa, o Anfiteatro Flávio, que em 2007 foi votado como uma das novas Sete Maravilhas do Mundo. Tal como Nero, o monumento é conhecido por outro nome: Coliseu de Roma. Curiosamente, o nome “colosseo” está ele próprio associado a Nero.
Voltando à Galleria Sabauda, para além do busto do Imperador Vespasiano, nela existe também um quadro do seu memorável anfiteatro, da autoria do holandês Gaspar Van Wittel. Datado de 1711, ilustra como se apresentava o Coliseu no século XVIII, bastante parecido com a estrutura imponente com que ainda hoje se mantém.



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